Como integrar tecnologia ao processo educativo?

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Para falar sobre a integração da tecnologia no processo educativo, segue uma entrevista com o educador português Hugo Caldeira, membro do grupo de peritos que definiu o modelo de gestão da qualidade para a educação (CAF-Educação) no Instituto Europeu de Administração Pública (European Institute of Public Administration – EIPA).

Com mais de 20 anos de experiência como professor de matemática no ensino não superior, Caldeira é docente no mestrado de tecnologias educativas da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. O especialista veio ao Brasil durante a 20a Educar, o maior evento de educação da América Latina. O objetivo foi apresentar casos de sucesso baseados em projetos da Another Step (www.anotherstep.pt), companhia fundada por ele, especializada na análise de qualidade e na definição de estratégias para a educação.

Segue a entrevista concedida ao Boletim Universo EAD do Senac:

Pergunta – Na sua opinião, o uso cada vez mais expressivo das tecnologias nas salas de aula pode contribuir com a melhora do ensino?
Hugo Caldeira – Não são, de fato, as tecnologias que melhoram o ensino. Mas, sim, aquilo que os educadores e gestores fazem com os recursos e dispositivos disponíveis. Até porque as tecnologias não passam de ferramentas potentes e fáceis de usar, assim como antes tínhamos o apoio de cadernos, vídeos e software. No entanto, a integração das tecnologias no processo educativo deve ser feita a partir de uma grande reflexão, e de um consequente plano estratégico, para que toda a comunidade educativa possa tirar partido dos novos recursos.

Pergunta – Como essa integração tecnológica pode auxiliar a comunidade educacional?
Hugo Caldeira – Para o gestor escolar, por exemplo, é fundamental ter ferramentas que proporcionem dados atuais sobre o desempenho da organização, de docentes e alunos, incluindo os níveis administrativo e pedagógico e os resultados acadêmicos efetivos. Com isso, é possível obter parâmetros e diretrizes capazes de orientar ações sobre possíveis disfuncionalidades do sistema, tanto em relação aos alunos e educadores, quanto no que diz respeito aos materiais didáticos. Assim, a partir de uma plataforma que ofereça dados e relatórios, é possível analisar detalhadamente as reais necessidades de cada aluno, docente, escola, município, etc., com base em um repositório único de informações e respectivos desempenhos.

Isso permite que o educador se concentre, com mais facilidade, na construção e na aplicação de atividades pedagógicas que proporcionem aprendizagens mais significativas. Por outro lado, o aluno pode ver a aula como um ambiente favorável a uma busca crítica e excitante para a resolução de problemas atuais. Além disso, os pais também têm acesso à informação de seus filhos nos diferentes aspectos, acadêmico e humano. Dessa forma, com informação ampla e transparente, é possível obter um melhor envolvimento de todos que fazem parte do processo educativo para construirmos uma comunidade realmente educativa.

Pergunta – De que maneira essas tecnologias podem ser utilizadas como ferramentas de aprendizagem?
Hugo Caldeira – Há cada vez mais dados a serem compilados na área da educação: as classificações de alunos, o investimento financeiro de cada instituição, os resultados dos professores, os indicadores de qualidade e de desempenho das pessoas e organizações, entre outros. O relatório de novembro de 2012 da Unesco, sobre preocupações e tendências na área da análise de aprendizagem, já chamava a atenção para o potencial que todo esse conjunto de dados pode significar e de como a educação deveria olhar seriamente para as ferramentas que trabalham esses dados, numa perspectiva de análise (education analytics). Assim, a partir do estudo de tais informações, é possível compreender o que estamos fazendo bem e também o que precisamos melhorar, incluindo práticas relacionadas a alunos, pais, educadores, disciplinas, escolas, regiões e até Estados.

Por outro lado, a tecnologia vem contribuir para que cada aluno possa aprender no seu ritmo, passando de sucesso a sucesso. Hoje, a aprendizagem adaptativa (adaptive learning) nos permite detectar, por meio de softwares, em que áreas um aluno tem dificuldades e como podemos ajudá-lo. Isso já é uma realidade. Também temos de lembrar a grande possibilidade que esses indicadores de qualidade oferecem aos gestores escolares, que podem avaliar os níveis organizacional e pedagógico para implementar planos de melhoria – que vão desde a comunicação dentro da sala de aula, passando pela supervisão pedagógica, a formação de alunos e docentes para o uso seguro das tecnologias e da internet, além do reforço das metodologias de avaliação, por exemplo.

Pergunta – Mas você acha que os educadores e as instituições já estão preparados para esse novo cenário educacional?
Hugo Caldeira – Acho que nunca ninguém está verdadeiramente preparado. A evolução tecnológica é demasiadamente rápida e, antes de dominarmos um software, por exemplo, já aparece outro na mesma área e com mais funcionalidades. Os relatórios da McKinsey vêm alertando para o fato de que as organizações escolares e os profissionais da educação, de forma geral, estão ficando para trás na revolução tecnológica e na sua integração. Por outro lado, esses sistemas não são apenas educativos: são ferramentas desse novo mundo tecnológico e digital, reconstruído e reinventado a cada dia que passa, onde as redes sociais e as tecnologias são fundamentais. Justamente por isso não é possível que a escola mantenha as tecnologias fora da sala de aula, por mais que isso exija dedicação de tempo e estudo dos professores. Assim, o segredo é que o educador esteja preparado para a mudança e seja flexível na integração das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), com tranquilidade, aceitando aprender com os alunos e experimentar. Afinal, aceitar a possibilidade de errar é a única maneira de inovar e progredir na educação.

É claro que algumas instituições já estão fazendo um bom trabalho nessa área, primeiro integrando as TICs como ferramenta e, depois, evoluindo para uma postura tecnológica como ambiente natural de aprendizagem, ensino e melhoria. E, nesses casos, trata-se de uma decisão estratégica fundamental, em um caminho que só é possível com planejamento e apoio. No entanto, uma coisa é certa: há de se tirar partido da quantidade enorme de informação que as instituições educativas acumulam sobre alunos e docentes, buscando as melhores formas de cada um aprender e/ou ensinar. E isso já é possível com o uso de ferramentas de análise de dados de educação (education analytics).

Pergunta – Em um futuro próximo, como você acha que professores e alunos serão beneficiados?
Hugo Caldeira – Com as tecnologias, todos terão benefícios naturalmente. Mas essa mudança, assim como qualquer outra, não é fácil! Antes de os professores sentirem que a tecnologia está aí para facilitar suas tarefas, haverá momentos em que esse trabalho será intenso – seja para aprender sobre ferramentas, seja para descobrir as melhores estratégias de integração ao processo educativo. E é por isso que essa mudança não deve ocorrer de forma isolada. Mas, sim, com um bom apoio profissional com experiência em tais dimensões, que atue como um catalisador. Em Portugal, por exemplo, a iniciativa do Plano Tecnológico da Educação proporcionou equipamentos às escolas, alunos e professores. No entanto, em muitos casos, a mudança não aconteceu porque os professores se viram sozinhos nesse desafio. Tive a oportunidade de trabalhar com algumas escolas, mediando a integração da tecnologia na prática docente, dando-lhes a formação não apenas técnica, mas também pedagógica para a produção de conteúdos próprios e de monitoramento da qualidade e eficácia da integração das TICs na sala de aula.

Um projeto apoiado dessa forma garante segurança aos professores, o que os leva a experimentar e a integrar as tecnologias nas suas aulas e, por isso, ainda garante uma melhor experiência educativa para os seus alunos. Assim, se acrescentarmos a possibilidade da desmaterialização dos livros e documentos a tudo isso, há também um impacto muito grande a nível financeiro, ambiental e até na saúde dos nossos alunos (que terão menos peso para carregar nas mochilas quando forem à escola).

Pergunta – Podemos concluir que a educação presencial tende a seguir os passos da modalidade a distância?
Hugo Caldeira – Eu diria que o paradigma da educação está em mudança acelerada, com um mix das modalidades presencial e a distância, em uma tentativa de juntar o melhor dos dois mundos. Não apenas as ferramentas, mas também os espaços de aprendizagem e o papel do educador estão em mudança. O aluno terá de ampliar o seu esforço de aprendizagem, a sua curiosidade, e irá aos seus interesses, podendo aprender em qualquer lado e em qualquer altura. O educador, por sua vez, será um gestor de carreiras de aprendizagem, na medida em que terá acesso à informação privilegiada sobre a forma como cada aluno está aprendendo e como poderá aprender melhor. As ferramentas tecnológicas, colocadas à disposição das instituições, dos alunos e dos professores, terão isso em conta e poderão otimizar o tempo de ensino e de aprendizagem, ajudando professores e alunos a serem mais eficazes em cada um dos seus papéis (ora ensinando, ora aprendendo).

Pergunta – Qual é sua principal dica para profissionais que desejam se tornar docentes, seja na modalidade presencial ou a distância?
Hugo Caldeira – Eu diria que gostar de aprender é a característica mais necessária a um educador. Só pode ensinar quem está disposto a aprender e a errar, seja com relação às matérias de sua área ou sobre a tecnologia disponível para a educação. Outro ponto importante é aceitar a “Mudança” como uma constante do seu trabalho profissional, pois é fundamental saber gerir todas as mudanças necessárias: a sua própria e a de tudo aquilo que o rodeia. E uso “M” maiúsculo por se tratar de um conceito bem mais amplo e global. Dessa forma, é possível integrar as novas realidades de aprendizagem e tecnologia, que influenciam cada vez mais a maneira como cada um de nós lida com os outros, para crescermos juntos.

Fonte: Boletim Universo EAD – ano 9 nº 79

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